Roda de Conversa: reflexões sobre as manifestações sociais e institucionais do racismo - Foto: Adair Gomez


O auditório do Hemocentro de Belo Horizonte (HBH) foi palco, na última quinta-feira, 21, de mais uma roda de conversa que, desta feita, abordou o tema Racismo Institucional e Individual: Eles existem? Vamos conversar sobre isso?

Organizado pelo Grupo de Trabalho sobre Racismo Institucional da Fundação Hemominas e pelas Ouvidoras do SUS da Fundação – Adriana Nunes Martins (Administração Central (ADC / Unidades Regionais) e   Márcia Renata Braga (Hemocentro de Belo Horizonte), o evento reuniu palestrantes como Diva Moreira, cientista política, comunicadora social/UFMG e militante dos movimentos negros; Adriana Fernandes Carajá, enfemeira, Mestranda na Faculdade de Medicina-UFMG, Especialista em Saúde dos Povos Indígenas, e Eni Carajá, filho indígena da etnia Carajá, graduando em Antropologia pela UFMG e membro do Conselho Nacional do Idoso.

O Grupo de Trabalho sobre Racismo Institucional da Fundação Hemominas tem como objetivo o estudo sobre as manifestações sociais e institucionais do racismo, propondo reflexões e enfrentamento por meio de eventos que buscam ampliar as discussões e a conscientização sobre esse tema de grande relevância social.  O Grupo é composto por servidores da Administração Central e Hemocentro de Belo Horizonte: Aline Cristiane Moraes Silva, Éder Luciano Vaz dos Santos, Marcelle Caroline Rodrigues e Maria da Silva (Ambulatório/HBH); Márcia Renata Braga (Humanização e Ouvidoria/HBH); Adriana Nunes Martins, Ana Maria Valle Rabello e Daniene Cássia dos Santos (Humanização e Ouvidoria/ ADC).

Diva Moreira - atuação em favor das causas sociais, raciais e humanitárias foi homenageada da Escola de Samba Raio de Sol, premiada com o 1º lugar no Carnaval 2019 de BH - Foto: Adair Gomez
Diva Moreira - por sua atuação em favor das causas sociais, raciais e humanitárias foi homenageada pela Escola de Samba Raio de Sol, premiada com o 1º lugar no Carnaval 2019 de BH (Grupo B) - Foto: Adair Gomez
Racismo

Abrindo a conversa, Diva Moreira falou de sua disposição e interesse em participar de rodas de conversa que tratam de temas comuns a todos os brasileiros , “uma oportunidade de estar sempre aprendendo”, afirmou. Em sua exposição, ela, a ilustre homenageada da Escola de Samba Raio de Sol, de BH, que este ano levou para o desfile o enredo “Uma vida, uma luta, um sonho de Dandara, um poema pela Educação”, sagrando-secampeã do Grupo B, ressaltou que o racismo supõe os conceitos – estrutural, individual e institucional,   apresentando-se por atitudes, condições geopolíticas e sociais, entre outras.

Em sua fala, esclareceu que o racismo, de forma menos direta, é a denominação da discriminação e do preconceito (direta ou indiretamente) contra indivíduos ou grupos por causa de sua etnia ou cor. E mais: o preconceito é uma forma de conceito ou juízo formulado sem qualquer conhecimento prévio do assunto tratado; a discriminação é o ato de separar, excluir ou diferenciar pessoas ou objetos e pode ser negativa, quando produz efeito de restrições a serviços e direitos fundamentais, ou positiva, como no caso das Políticas Afirmativas para promoção da igualdade racial.

Sobre o racismo institucional, Diva explicou que ele é a manifestação de preconceito por parte de instituições públicas ou privadas, do Estado e das leis que, de forma indireta, promovem a exclusão, o preconceito racial, evidenciadas em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho e que efetivamente resultam em desigualdades. “Se as instituições brasileiras não fossem racistas, os indicadores sociais nas áreas da saúde, educação, habitação seriam semelhantes aos dos brancos”, afirma.Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. “Um exemplo seria as formas de abordagem de policiais contra negros, que tendem a ser seletivase mais agressivas”; “na área da saúde, o número de consultas de pré-natal de uma gestante negra é bem menor do que para uma gestante branca, do mesmo modo acontecendo com o tempo de consulta, respectivamente”,pontua a cientista política.

Já quanto ao racismo individual, foi dito que embora se possa ter preconceitos em relação a diversas situações, existe um limite para a sua expressão, que envolve o respeito à dignidade das pessoas. O preconceito racial impõe, ao longo da história dos sujeitos e da civilização, uma internalização do racismo, que afeta negativamente a construção da identidade e da autoestima dos indivíduos. Relacionado a isso, Diva pondera que crianças, que a princípio não tinham consciência deste fenômeno, ao atingirem a adolescência e sentirem na própria pele a dor da exclusão, em muitos casos abandonam as escolas, por não poderem suportar tamanho sofrimento.

Ela explica que, a partir da discriminação negativa, “há uma destruição da humanidade – uma desumanização cruel, feroz, degradante contra essa gente invisível”, salienta. Nessa forma direta de racismo, um indivíduo ou grupo manifesta-se de forma violenta física ou verbalmente contra outros indivíduos ou grupos por conta de sua etnia, raça ou cor, bem como nega acesso a serviços essenciais e a distintos locais, pelos mesmos motivos.

Por sua vez, o racismo estrutural abrange um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas que estão embutidos em nossos costumes e promove, direta ou indiretamente, a segregação ou a expressão do preconceito racial. Como exemplos, duas situações: 1- o acesso de negros e indígenas a locais que foram, por muito tempo, espaços exclusivos da elite, como universidades; 2- falas e hábitos pejorativos incorporados ao nosso cotidiano que tendem a reforçar essa forma de racismo, pois promovem a exclusão e o preconceito, mesmo que indiretamente. Essa forma de racismo manifesta-se quando usamos expressões racistas, quando fazemos piadas que associam negros e indígenas a situações vexatórias, degradantes ou criminosas ou quando desconfiamos da índole de alguém por sua cor de pele e características fenotípicas. Outra modalidade de racismo estrutural muito praticada, mesmo sem intenção ofensiva, é a adoção de eufemismos para se referir a negros ou pretos, como as palavras “moreno” e “pessoa de cor”.

Adriana e Eni Carajá: antes da colonização, havia 5 milhões de indígenasno Brasil; hoje, são 900 mil - Foto: Adair Gomez
Adriana e Eni Carajá: antes da colonização, havia 5 milhões de indígenas no Brasil; hoje, são 900 mil - Foto: Adair Gomez
A questão indígena

Prosseguindo a roda de conversa, Adriana Fernandes Carajá contextualiza que “antes da colonização portuguesa, havia no Brasil 5 milhões de indígenas, população hoje reduzida a 900 mil, dividida entre 305 etnias que falam, ao menos, 274 línguas; há 82 povos isolados (30 a serem confirmados)”. A partir desses dados, Adriana pontuou a trajetória desses povos ao longo do tempo e o processo de desrespeito e extermínio que vêm sofrendo. Segundo ela, “embora a Constituição de 1988, artigo 32, garanta-lhes direitos como a posse da terra”, salienta que “racismo é relação de poder; há uma desconstrução das iniciativas indígenas, o desmonte das políticas de atenção integral à saúde indígena; há invasão de aldeias e matança de índios – violências que não chegam às mídias convencionais”.

Adriana prossegue: “O próprio Estado desconhece e negligencia o cuidado com a pessoa indígena. Um exemplo: cada nação indígena tem a sua forma de tratar da saúde, mas a medicina branca não reconhece a medicina indígena; no entanto, boa parte dos medicamentos vem da floresta, da sabedoria indígena”.

Uma conquista foi a não municipalização da Sesai – Secretaria Especial da Saúde Indígena: “Muitos defendem a municipalização da saúde indígena, querem que os municípios assumam a responsabilidade. Como fazer isso, se na Amazônia, por exemplo, algumas aldeias ficam a três dias de viagem de barco? O serviço, que já é precário, está sendo sucateado”, considera. Outro avanço foi a iniciativa de as próprias pessoas da comunidade indígena repassarem as informações nas aldeias, em vez das pessoas brancas, “pois há mais confiança, melhor interação e entendimento da cultura indígena”, ressalta.

Concluindo, Adriana Carajá cita também os preconceitos e o desconhecimento sobre os costumes da raça que interferem no cotidiano do povo indígena, principalmente nos centros urbanos: “Há motoristas de aplicativos que não transportam o indígena se ele estiver sem camisa, pintado, usando cocar etc”.

Também o palestrante Eni Carajá, há 37 anos trabalhando na Fhemig, considera que o Brasil pratica um racismo aberto e chama a atenção para o preconceito de empregadores em preterir a contratação de negros e índios “por não terem boa aparência”. Segundo Eni, um fato curioso sobre a cultura indígena se refere à discriminação dentro do grupo étnico: “Os indígenas ‘urbanos’ que vivem nas cidades não podem voltar quando saem das aldeias. Isso por questões de saúde, uma vez que quem vai para as cidades pode trazer consigo diversas doenças para as quais os povos das aldeias estão desprotegidos”, esclarece.

Artefatos indìgenas: sua produção e venda contribuem para a sobrevivência das etnias - Foto: Adair Gomez
Artefatos indìgenas: sua produção e venda contribuem para a sobrevivência das etnias - Foto: Adair Gomez
Já para a participante Gabriela Aguiar, auxiliar administrativo lotada na Manutenção de Equipamentos (MEQ) / GIF, a Roda de Conversa é importante: “Ela é muito útil para todas as esferas de relacionamento na instituição, trazendo a proposta de empatia, tolerância e esclarecimentos diversos a quem ainda não teve acesso. Porém, com tantas vantagens, ainda não temos um número expressivo de interessados, o que é uma pena. Sugiro ampliar a divulgação, com prazo maior e utilizando outros meios (cartazes nas copas, corredores, elevadores, flyers na portaria)”; “para maior engajamento, seria válida a liberação, pelas chefias, de representantes de cada setor, que seriam, inclusive, multiplicadores”.


Gestor responsável: Assessoria de Comunicação Social

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